terça-feira

Filhos adotivos de pais verdadeiros

Nair de Oliveira Pontes 
Revista Viver, janeiro de 2001

É possível observar na dinâmica de alguns casais com filhos adotivos, alguns comportamentos recorrentes que se referem aos sistemas emocionais das famílias de ambos os cônjuges e que funcionam como modelos na criação dos filhos adotivos, embora muitos deles rejeitem a maneira como foram criados pelos próprios pais, repetem esses padrões.
Portanto, uma das expectativas dos casais que querem adotar uma criança pode ser frustrada, pois alguns deles poderiam ter os próprios filhos, mas acreditam que a adoção seja uma forma de romper  com padrões das famílias de origem.
Ao longo do ciclo vital, os jovens pais tendem a reproduzir com seus filhos modelos de comportamento dos próprios genitores, podendo trazer antigos conflitos para as relações presentes.
Num artigo publicado na revista Science, de 5/11/1999, sobre um estudo feito por pesquisadores canadenses da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, a respeito do relacionamento entre pais e filhos, afirma-se que “o amor da mãe não é algo que já se nasça sabendo; é algo que se aprende pelo exemplo e que passa de geração em geração não porque está escrito no material genético dos seres vivos mas sim pela experiência”.
O estudo dos pesquisadores canadenses salienta, portanto, que o que mais influencia o comportamento do ser humano não são as características genéticas herdadas, pois os genes nada têm a ver com tal situação mas sim a relação do indivíduo com o ambiente e com a cultura. O núcleo da aprendizagem, do condicionamento, da experiência emocional, da vivência dos desejos e das expectativas diante da realidade, e todos esses contextos, tanto social, emocional quanto econômico, influenciam a qualidade do relacionamento entre pais e filhos, e podem continuar por gerações, mesmo com os filhos adotivos.
A pesquisa feita pelos canadenses corrobora os estudos de Elisabeth Banditer, nos quais ela afirma: “O amor materno não constitui um sentimento inerente à condição de mulher, ele não é um determinismo, mas algo que se  adquire”.  Para a autora, os sentimentos humanos da mãe variam de acordo com suas ambições ou frustrações, com a cultura e as flutuações socioeconômicas da história. O amor materno pode existir ou não, aparecer e desaparecer, ser forte ou frágil, ter preferência por determinado filho ou não. Ele “é apenas um sentimento humano como outro qualquer e, como tal, incerto, frágil e imperfeito”, acrescenta Banditer.
O mundo da paternidade está cheio de fantasias. Cada casal cria mitos, como por exemplo, serem pais perfeitos e ter uma família feliz. E essa mitologia intensifica-se ao entrar em contato com um sistema de percepções muitas vezes sufocado pela ansiedade, por sentimentos de culpa e pela rejeição (rejeição de si mesmo como filhos e o desejo de ter tido outros pais, outra família). Ou seja: as percepções criam a fantasia de pais ideais, determinante que se manifesta num modelo de amor irrestrito, inacabado, infinito. São os pais por excelência, os pais que tudo sabem, donos da verdade, do afeto dos filhos e do futuro deles. São os pais que dizem: “Eu sei o que é melhor para você”.
Hoje há uma excessiva preocupação com o relacionamento e com o que se deve fazer para garantir o bom desenvolvimento emocional nas relações entre pais e filhos. Muitas vezes, essa atitude embota a espontaneidade, a intuição, a criatividade e o bom senso dos envolvidos no sistema relacional.
Acreditamos que ser desejado é o primeiro anseio a ser realizado no universo afetivo do ser humano. Toda criança quer ser desejada. Afinal, quem não quer ser amado?  É de se esperar que a criança necessite de demonstração de amor. Logo, pressupõe-se o desejo de ser acariciada e tocada com amor, e provavelmente, ela não quer ser cuidada de forma mecânica e automatizada. Contudo, por não ter o domínio da linguagem, não consegue expressar em palavras essa insatisfação. Estamos falando de um período emocional, um período de impressões marcantes, aquele que Freud chama de período de molde, que se dá na primeira infância. Ou seja, tudo o que a criança vivencia nos primeiros anos de vida será tão marcante que poderá influenciá-la por toda a existência, pois já estará inerente no modelo recebido. Esse cenário da infância nos deixa numerosas lições afetivas e precisamos contar com elas, sejam positivas ou negativas.
Cabe dizer também, que o fato de ser filho, independentemente de ser ou não biológico, não garante necessariamente que a criança seja bem-vinda, pois tudo dependerá de como se constrói essa relação e do que a criança despertará nos pais. É preciso saber de que maneira esses pais e mães aprenderam a amar no contato com os próprios pais. Elizabeth Banditer comenta que o discurso psicanalítico contribui muito para tornar a mãe o  personagem central da família, embora a psicanálise jamais tenha afirmado ser a mãe a única responsável pelo inconsciente do filho. A autora explica: “Para que uma mulher possa ser a “boa mãe”, é preferível que ela tenha experimentado, em sua infância, uma evolução sexual e psicológica satisfatória, junto de uma mãe também relativamente equilibrada. Mas, se uma mulher foi educada por uma mãe perturbada, há grande probabilidade de que sinta dificuldade em assumir a sua feminilidade e maternidade. Quando for mãe, reproduzirá, diz-se, as atitudes inadequadas que foram as da sua própria mãe.”
Como os nossos pais – Nossa sociedade valoriza autonomia, individualidade e independência. Mas por que algumas pessoas conseguem desenvolver essas características e outras não? Muitos dos nossos comportamentos resultam do que aprendemos por meio de modelos. O primeiro é a mãe, ou a figura substituta; depois vem a família, e por fim a sociedade. O modelo da primeira infância, considerado fundamental e marcante, pode ser reproduzido de modo positivo ou negativo. Quando positivo, poderá auxiliar o indivíduo a obter autonomia, individualidade, identidade e independência. Mas, quando negativo, a pessoa terá dificuldades de adaptar-se à sociedade. Isso não significa, no entanto, que seja impossível ultrapassar os obstáculos. Nesse caso, é necessário que ela se conscientize das próprias atitudes e perceba os comportamentos repetitivos inadequados, que prejudicam seus relacionamentos.
No momento em que o casal percebe suas dificuldades em se organizar diante da educação recebida de seus ancestrais, aparecem os conflitos provenientes das percepções de cada um deles. Uma das tarefas do terapeuta é perceber e compreender como os pais podem se tornar verdadeiros, e buscar um modelo adequado às suas necessidades, isto é, sem dar continuidade ao modelo rígido recebido dos próprios pais, muitas vezes. Só assim os filhos, mesmo adotivos, poderão sentir-se verdadeiros e autênticos com os pais.
O trabalho do terapeuta com os casais é mostrar quais são os padrões recorrentes, por meio das lembranças e memórias vivenciais (dos momentos ao longo da vida) e emocionais acionadas durante o processo terapêutico. E assim, trabalhar a história pessoal de cada um, levando-os a perceber seus papéis e funções nesse contexto, como forma de diferenciarem-se, não só entre si mas também diferenciar o ego deles e de seus pais.
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[1] Nair de Oliveira Pontes é psicóloga clínica e psicoterapeuta de família e de grupos.

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